terça-feira, 29 de abril de 2008

Menina quase morta, sozinha


Desde que a menina Isabella foi brutalmente assassinada tento escrever sobre o assunto. Depois de muitas tentativas e de ler muitas coisas sobre o crime, achei um texto que passava sentimentos próximos aos que senti e ainda sinto em relação ao caso. O texto é de Lya Luft e foi retirado de sua coluna na Revista Veja.



Menina quase morta, sozinha

Por: Lya Luft



Como grande parte do país, acompanho obsessivamente o caso da menininha de 5 anos brutalmente maltratada, espancada, jogada no chão, esganada, e finalmente atirada pela janela como um gato morto. Corrijo: nenhum de nós jogaria pela janela um gato morto. Talvez um rato: se encontrasse um rato morto em minha casa, num gesto insensato eu o pegaria pela ponta do rabo e o jogaria pela janela (a minha também fica num 6º andar). Seria, além disso, mal-educado: não se jogam coisas pela janela de apartamentos. Nem menininhas, mortas ou vivas.

Escrevo aqui com o maior cuidado: não devo afirmar que pai e madrasta trucidaram a menina e se livraram dela como se fosse um pedaço de lixo. Para isso temos a polícia, num trabalho de primeiríssimo mundo. Então: alguém a espancou, atirou-a ao chão, talvez lhe quebrando ossinhos da bacia, e a esganou por três minutos. O termo "esganar" é meio antigo: como será apertar por três minutos o pescoço de uma criança de 5 para 6 anos? É difícil entender o tempo de agonia e dor de três minutos. Quem faz fisioterapia eventualmente é instruído: contraia esse músculo por vinte segundos. Tentem contar os 180 segundos que compõem três minutos de pavor.

Essa história terá sua explicação em breve. Mas quem cometeu essa bestialidade terá seu merecido castigo neste país das impunidades e das leis atrasadas e frouxas? Recentemente, aqui perto, um menino de 15 anos confessou na maior frieza o assassinato de dezessete pessoas. Quinze deles já foram confirmados. "Matei, sim." Talvez tenha acrescentado, num dar de ombros: "E daí?". Por ser menor de idade, como tantos assassinos iguais a ele, foi para uma dessas instituições de ressocialização nas quais não acredito para esses casos pavorosos. Logo estará livre para reiniciar com alegria sua atividade de serial killer. E, se perguntarem a razão, talvez diga como um jovem criminoso que assaltou um amigo meu: "Nada. Hoje saí a fim de matar alguém". Nossas leis vão finalmente, segundo entendi nas palavras do novo presidente do Supremo, ser realistas, graves, portanto justas? Eu quero mais: pena de morte para casos como os que citei, independentemente da idade. Pelo menos prisão perpétua, sem misericórdia. Quem cometeu o horrendo crime de São Paulo deve apodrecer numa prisão pelo resto de sua miserável vida.

A menininha atirada no minúsculo jardim de seu edifício, ainda viva, ficou ali por muito mais que três minutos. Imagino sua alminha atônita e assombrada, no escuro. Ainda presa ao corpo, ainda presente. Na loucura que o caso provoca, porque ela poderia ser nossa criança sobre todas as coisas amada, o que mais me atormenta é a sua solidão. Não a vi, em nenhum momento, abraçada, levada no colo por alguém desesperado que tentasse lhe devolver a vida que se esvaía, que a cobrisse de beijos, que a regasse de lágrimas, que a carregasse por aí gritando em agonia e pedindo ajuda. O que teria feito a pobre mãe se estivesse presente.


Estava ali deitada, a criança indefesa, como um bicho atropelado com o qual ninguém sabe o que fazer. Na nossa sociedade, em que as sombras mais escuras do nosso lado animal andam vivas e ativas, lá ficou, por um tempo interminável, caída, quebrada, arrebentada, e viva, a menina quase morta. Sozinha.







*Ilustração de Atômica Studio

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Eu escrevo cartas, e daí?

Com o advento da internet, o ato de escrever cartas deixou de ser hábito de grande parte da população. Porém ainda há pessoas que valorizam o encantamento da carta, composta por detalhes como um adesivo, uma cor de caneta diferente, um selo colorido ou um papel perfumado. É o caso de Doroti Francisca Rocco, psicóloga há dez anos, que prefere não divulgar a idade.

Nas horas vagas, Doroti fica dividida entre suas duas grandes paixões: a de fazer parte de um emaranhado de pessoas lotando as salas de cinema e a do prazer de escrever cartas. Mas, mesmo quando prefere assistir a um filme, Doroti não deixa de levar um bloquinho de papel e uma caneta para o caso de decidir escrever um bilhete.

“Eu sinto o carinho e o amor de quem escreveu a carta. No e-mail, não percebo tanta emoção. Sinto algo mais frio”, afirmou Doroti, que vai mais longe dizendo que o afeto ultrapassa a escrita da carta. “Até o prazer de ir à caixinha de correspondência ver se chegou algo é diferente do que ligar o computador e ver se você recebeu um e-mail. O ideal seria conciliar as duas coisas, o e-mail e o hábito de escrever cartas”.

Ao falar de seu hábito favorito, a psicóloga lembra do avô que gostava muito de escrever cartas e poesias e a incentivava. “Quando criança, ficava observando e foi assim que adquiri esse hábito e nunca mais parei”.

A psicóloga não é a única a cultivar esse hábito de escrever usando caneta e papel. O advogado Amadeu Armentano Neto, 58, também conserva com carinho sua caneta tinteiro e escreve com freqüência para familiares e amigos que moram perto ou longe. “A correspondência manuscrita permite uma maior proximidade e colocação. Você consegue transmitir as suas vibrações para o papel. A carta transmite o calor humano que o e-mail não consegue”, disse Armentano.

Na linguagem usada nas cartas dificilmente nota-se qualquer sinal gráfico ou abreviação, típicos da internet. “As pessoas trocam mensagens via e-mail de maneira abreviada e absolutamente inconseqüente. Isso para mim é um atalho que leva a lugar nenhum”, declarou o advogado.

Armentano também afirma incentivar seus filhos: “Em casa é quase uma tradição de família os pais deixarem uma carta para os filhos sempre que haja necessidade”.

Tanto a psicóloga quanto o advogado avaliam que o ato de escrever uma carta não irá acabar. Aconselham jovens e adultos a retomarem esse prazeroso hábito que, com o surgimento da tecnologia, foi deixado de lado. Para quem justifica com a correria do dia-a-dia o hábito de enviar e-mails, Doroti deixa seu recado: “Para quem gosta de escrever, sempre há um tempinho”.
*A matéria foi feita para o Jornal Rudge Ramos em parceria com a repórter Kelly Santos.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Português versus Internetês

Depois do português e do inglês, parece que chegou a vez do “internetês”, e para ficar. Desde a chegada da internet ao Brasil, em 1991, seus usuários passaram a usar códigos específicos para se comunicar. Esse usuário ganhou até um nome: internauta.

Essa comunidade passou a usar expressões e até sinais particulares como forma de transmitir um recado, via e-mail, por exemplo.

Recheado de abreviações, símbolos e expressões feitas a partir da união de teclas, esse modo de conversar contagiou os internautas e configurou uma maneira bem diferente de se comunicar.

Muitas vezes, quem está por fora desse meio fica sem entender o significado de alguns termos. Mas quem está acostumado a esse novo linguajar diz que isso permite a velocidade da comunicação.

É o caso do estudante do ensino fundamental William Maximiano, 13. “Fico na internet três horas por dia. Falando desse jeito (usando sinais e símbolos), converso mais rápido e todo mundo me entende”, relatou.

Mas tamanha mudança pode trazer alguns problemas. O internetês ainda não é aceito como linguagem formal e pode trazer complicações gramaticais. “Você”, na internet, virou simplesmente “vc”. O “não”, em vez de ficar abreviado, acabou se transformando em “naum”.

A auxiliar administrativa Roseane da Silva Vieira adota essa linguagem, mas admite que, em e-mails de caráter profissional, usa o corretor ortográfico do computador para eliminar essa “nova linguagem”. “Uso a verificação e quase sempre encontro erros por conta dessa linguagem, que é prática mas perigosa”, disse a profissional.

O internetês também causa polêmica entre lingüistas, pais e professores. Alguns consideram um retrocesso da Língua Portuguesa. Outros afirmam que variações na língua ocorrem de acordo com o período de transformações tecnológicas na sociedade.

“O internetês é mais uma variação da linguagem que nasceu para acompanhar uma tecnologia. Quando surgiu o telégrafo, uma linguagem foi criada para acompanhá-lo. Não há motivos para alarmismo”, afirmou o professor de português do Curso Anglo Eduardo Antônio Lopes. O lingüista Marcos Bagno, autor de “Preconceito Lingüístico, o que é, como se faz” (Editora Loyola), também não considera essa variação na comunicação um retrocesso da língua. “É mera questão ortográfica. Há centenas de anos, os anúncios classificados nos jornais usam abreviaturas e ninguém nunca chamou isso de "classificadês". Em ambos os casos se economiza alguma coisa. Na internet, se economiza tempo; nos anúncios, se economiza dinheiro”, explicou.

O livro de Bagno fala inclusive sobre o fato não existir uma forma apenas de falar a língua portuguesa, e que isso depende de vários fatores, inclusive regionais.

O professor Lopes, do Anglo, lembra ainda que a linguagem telegráfica influenciou muitas vanguardas européias e, posteriormente, brasileiras. O próprio escritor Oswald de Andrade valeu-se dos termos telegráficos em seus poemas.

Mas quando o internetês deixa os limites da rede e chega às salas de aula, começa a polêmica. Crianças e adolescentes passam tanto tempo em frente aos computadores, escrevendo de forma abreviada e usando sinais gráficos para demonstrarem seu estado de ânimo, que, ao desligarem a máquina, já não conseguem usar a norma culta da língua.

A professora de português do Colégio e curso Objetivo Maria de Lourdes da Conceição, a “Lu”, nota a presença da internet nas redações escolares. “Os vícios da internet são transferidos para a escrita formal. Cabe ao professor alertar, a partir da correção, que há um momento específico para se usar o internetês”.

Segundo a mestra, não há um modo de evitar o uso dessa linguagem. “Se fosse possível impedir a alteração da linguagem, ainda falaríamos latim, ou soltaríamos grunhidos dos homens da caverna. Claro que, em muitos casos, o internetês até parece uma linguagem pré-histórica, ‘naum axa’?”, brincou.

Bagno concorda com a tese da professora do Objetivo e reforça que a internet propiciou ao jovens um contato maior com a escrita. “Os professores devem estimular esse uso, porque nunca antes na história as crianças e adolescentes escreveram tanto”.

O professor Lopes defende inclusive que a linguagem da internet é mais pedagógica que a ensinada nas salas de aula, já que é absorvida com mais rapidez pelos alunos. Segundo o especialista, isso deve servir de reflexão para os professores de línguas.


* O texto foi escrito para o Jornal Rudge Ramos em parceria com Graziele Storani.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Funk no busão

Sempre fui muito curiosa. Desde criança. Faziam mil perguntas para meus pais. Quando aprendi a ler minha cabeça lotou de pontinhos de interrogação e minha mania de ler tudo começou. Lia tudo a minha volta. Papel de bala, cartazes na rua (naquele tempo eles ainda existiam), outdoors (Que Deus os tenha!), placa de vende-se e aluga-se, rótulo de shampoo. Nessas minhas nada seletivas leituras elaborava perguntas do tipo: O que é troca-se de óleo? E passe-se o ponto? Por que no ônibus está escrito ‘proibido o uso de aparelhos sonoros’?

Essa última pergunta, feita ao meu pai, foi respondida prontamente: “Para que ninguém ligue seu radinho Milton Neves e atrapalhe a viagem dos outros”. Mesmo com o pouco conhecimento de respeito e limites que tinha na época, achei uma resposta satisfatória e uma proibição relevante e observava que as pessoas a respeitavam.

Porém, hoje, não é isso que noto. As pessoas parecem querer mostrar o poder do rádio de seus celulares logo às 6h00 da matina. Todos os dias, sem exceção, presencio a mesma intrigante e até odiosa cena: pessoas de todas as idades tiram de seus bolsos seus celulares com potências maiores que de radinhos Milton Neves e sem qualquer respeito compartilha com todos seu ritmo de música preferido.

Se tiver um amigo ao lado o barulho é mais perturbador. Cada um quer mostrar suas músicas e toques de celulares. Não é mais possível meditar, ler um livro, cochilar sem ser perturbado por sinais sonoros de gosto duvidoso. E a plaquinha avisando a proibição desses aparelhos? Continua lá, esquecida, como a maioria das leis.